Por Vinício Martinez (*)
O Direito à Acessibilidade é um direito fundamental de
primeira geração.
DA INTRODUÇÃO E
LEGITIMAÇÃO CONCEITUAL
O Direito não é uma porta de
saída, mas sim de entrada. Seja para adentrar à Justiça, seja como acesso,
caminho, de encontro ao espaço público. O Direito é um acesso direto à
sociabilidade. O direito é uma forma, um medium, uma mediação seminal,
fundamental, em que se assegura a acessibilidade do diverso e excluído ao que
deve ser normalizado. Como o direito de ir e vir não existe sem "estar-aí,
a permanência exige que a acessibilidade se apresente como direito fundamental
de primeira geração e grandeza. Porque, logicamente, não há como permanecer sem
ingressar.
Nesse sentido, entre espaços, condições, sujeitos tão diferentes,
para "ser-assim", o diferente precisa se garantir como um
"igual" em condições (antes desiguais) agora assemelhadas ou
semelhantes aos demais, ou seja, diferentes precisam se tornar iguais quanto à
acessibilidade ao Direito, especialmente do direito fundamental, a fim de que o
espaço público seja o grande repertório da "diversidade na
igualdade". Assim se constrói um pensamento humanizador e emancipatório
para Pessoas com Deficiência. E assim pensamos nosso texto sobre acessibilidade
e permanência digna. Com fundamento na Dignidade Humana.
Juristas tratam como direito
difuso ou direitos individuais homogêneos, porém, aqui, sugere-se a
acessibilidade como siamês do direito de ir e vir. Adentrar e permanecer em
condições exequíveis. Daí ser de primeira geração. Garantia e direito à
liberdade, agora para ir e permanecer em condições mínimas, dignas, propiciadas
pela acessibilidade.
Quem sente mais, luta mais, como
"sendo-assim-equiparado" e equipado da igualdade e da liberdade para
ser.
Discutir o Direito ao direito
sempre é muito bom e produtivo, pautar os problemas sociais de modo geral é a
nossa competência. Assim, é preciso: 1) conviver com as limitações
específicas com o desigual; 2) uma
campanha de aprendizagem contínua, desde a tenra idade ensinando acerca da
tolerância à desigualdade e suas limitações; 3) a inclusão obrigatória desta
campanha nos meios de comunicação; 4) alavancar mecanismos e relatórios
comprovando a inclusão na rotina e no mercado de trabalho. Enfim, sair da zona
confortável do discurso e comprovar pela ação. Conviver com as deficiências
limitantes de acessibilidade é fundamental para saber o que de fato dificulta a
rotina. A diversidade na igualdade está primeiro na acessibilidade consciente
do Outro e depois no acesso físico do meio ambiente ou das condições
existenciais.
Quanto à liberdade, ainda se
traça um paralelo com o Habeas Corpus, pois, a acessibilidade liberta o corpo,
"deixe o corpo livre", para acessar, ingressar, permanecer,
interagir, "ser-assim-diferente", o “ser-diferente” que se humaniza
na igualdade permissiva da acessibilidade.
É necessário incluir os
diferentes, respeitando-se suas limitações físicas, funcionais e até mesmo
intelectuais, mas, sem aplicar-lhes um tratamento especial pautado na
auto-piedade e com carga pejorativa. Agir dessa forma é propiciar uma educação
para a tolerância e para a inclusão dos cidadãos com necessidades peculiares,
de forma digna e democrática.
Inclusão/Acesso e Acessibilidade
Pensar na educação é olhar para a
diversidade nos diferentes sujeitos e nos diferentes espaços. Portanto, uma das
leis que ampara os pressupostos da educação inclusiva é a Lei de Diretrizes e
Bases, na qual se encontram alguns princípios dentre os quais destacam-se “a
igualdade de condições para o acesso e a permanência” (BRASIL,1996). Com base
nesses princípios, apresentamos uma reflexão acerca da contribuição para uma
educação capaz de atingir e trabalhar com a “unidade na diversidade” – por sua
vez, um dos baluartes dos Direitos Humanos.
Ensino Superior
A implicação do acesso e da
acessibilidade ao ensino superior, de acordo com Manzini (2005), conferiu às
palavras acesso e acessibilidade um uso como sinônimo. Todavia, na realidade,
elas apresentam distinções: o termo acesso tem sido constantemente utilizado na
educação para se referir às competências curriculares. Desse modo, não se trata
apenas do ingresso na universidade, mas sim de sua permanência, criando-se
condições e trabalhando para que haja direitos igualitários.
O documento de acessibilidade ao ensino
superior (BRASIL, 2013b) nos mostra a necessidade de haver uma ampliação do
debate sobre essa temática, a fim de que se desprenda de uma visão superficial
e que se pare de focar apenas na esfera arquitetônica, expondo-se a necessidade
de que se observe também as práticas avaliativas e metodológicas.
Entende-se, assim, que um
ambiente acessível e inclusivo impõe oportunidades, garantindo-se seu usufruto,
trazendo a possibilidade de que a pessoa tenha assegurada a permanência, e que
a diversidade seja respeitada em todos os âmbitos.
Quem são as pessoas com
deficiência:
Art. 2º Considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras,
pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015).
O processo histórico que recobre
este público em especial resultou em leis, diretrizes e decretos que lhe
asseguram direitos e participação na sociedade. É com este intuito que
elaboramos este documento, sob o objetivo de ofertar alguns esclarecimentos e
orientações gerais, considerando-se a necessidade premente de que a educação
superior seja mais inclusiva.
Acessibilidade
A partir do Documento Orientador
do Programa Incluir (BRASIL, 2013a), a autora Liz Amaral Saraiva Morgado
(MORGADO, 2017) elaborou uma tabela com algumas definições.
Espectro de acessibilidade
Definições
Acessibilidade Atitudinal
Refere-se à percepção do outro sem preconceitos, estigmas, estereótipos e
discriminações. Todos os demais tipos de acessibilidade estão relacionados a
esta, pois é a atitude da pessoa que impulsiona a remoção de barreiras.
Acessibilidade Arquitetônica
Eliminação das barreiras ambientais físicas nas residências, nos edifícios, nos
espaços e equipamentos urbanos.
Acessibilidade Metodológica
Ausência de barreiras nas metodologias e técnicas de ensino. Está relacionada
diretamente à concepção subjacente da atuação docente: a forma como os professores
concebem conhecimento, aprendizagem, avaliação e inclusão educacional irá
determinar, ou não, a remoção das barreiras pedagógicas.
Acessibilidade Programática
Eliminação de barreiras presentes nas políticas públicas (leis, decretos,
portarias, normas e regulamentos).
Acessibilidade Instrumental
Superação das barreiras nos instrumentos, utensílios e ferramentas de estudo
(escolar), de trabalho (profissional), de lazer e recreação (comunitária,
turística, esportiva).
Acessibilidade nos Transportes
Forma de acessibilidade que elimina barreiras não só nos veículos, mas também
nos pontos de paradas, incluindo-se as calçadas, os terminais, as estações e
todos os outros equipamentos que compõem as redes de transporte.Fonte: BRASIL
(2013a)
Pessoas com Deficiência Física e Mobilidade
Reduzida na Educação Superior
O magistério na educação superior
requer planejamento, especialmente no tocante à superação de barreiras e
entraves para o acesso ao conhecimento e à plena participação de todas as
pessoas envolvidas no cotidiano educativo. No que tange à Pessoa com Deficiência
(PcD), práticas pedagógicas que propiciem o desenrolar de suas funções mentais
e psíquicas, e que favoreçam a educação acessível, são imprescindíveis.
E é nessa perspectiva que os
materiais, estratégias e ações necessárias para a mediação pedagógica devem ser
tecidas, considerando-se os múltiplos sujeitos da educação e as especificidades
de seus corpos. Portanto, mais do que nunca, é parte essencial do “papel e da
função” do professor engajar-se conscientemente no exercício do magistério em
classes inclusivas, e definidas pela legislação nacional enquanto espaços em
que pessoas com e sem deficiência tenham acesso equitativo.
A educação que se desenvolve é a
que se mantém vigilante (ou não) às condições básicas para construir de forma
ativa e compensatória a conexão com o desenvolvimento psíquico limitado,
insuficiente do ponto de vista motor, cognitivo e comunicacional (DAVIDOV,
1987). Os recursos técnicos, equipamentos, mobiliários e demais aparatos
semelhantes atendem, nesse contexto, pré-requisitos necessários para se
edificar um espaço apto a ser ocupado e utilizado com autonomia por todas as
pessoas.
Desde a Constituição Federal é
assegurado o combate à discriminação de origem social, etnia, sexo, idade,
escolaridade, acessibilidade (BRASIL, 1988) e a pessoa com deficiência é
protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante (BRASIL,
2015). Afinal, a mobilidade em sala de aula e nos espaços da instituição de
ensino interferem diretamente na consolidação das garantias a esses direitos. A
acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos (NBR
ABNT 9050/2015) amplia o conceito de acessibilidade, estendendo-o aos
edifícios, equipamentos, transportes, instalações de uso individual e coletivo.
As áreas de circulação, calçadas, área de descanso, banheiros, faixa de
travessia de pedestres, entre outros espaços, devem ser projetadas tendo-se em
vista o desenho universal, ou seja, a concepção de que todos os ambientes,
produtos, programas e serviços devem estar em condições de serem utilizados por
todas as pessoas independentemente de adaptação.
Trabalhos anteriores indicaram
que a Universidade Federal de São Carlos poderia tornar-se um ambiente
acessível, caso investisse maciçamente na eliminação de barreiras
arquitetônicas (EMMEL et al, 2010). Como exemplo, temos calçadas e rampas
inacessíveis, com angulação de acesso intransponível, além de se encontrarem
mal conservadas ou com problemas estruturais. O mal uso dos dispositivos
tecnológicos, vagas do estacionamento, elevadores e outros equipamentos, por
vezes, ocasiona surpresas desagradáveis às PcD durante o deslocamento – bem
como a idosos, gestantes, outras pessoas com limitação física passageira ou
fazendo transporte de bens e produtos, e outros.
Orientações
Com este objetivo, as orientações
aqui dispostas partiram de demandas encontradas dentro da Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar), mais especificamente voltadas às pessoas com alguma
limitação mais expressiva ou deficiência de qualquer natureza mais acentuada.
Objetiva-se, então, evidenciar o protagonismo de alunos, docentes,
técnicos-administrativos, terceirizados e visitantes, no ambiente do ensino
superior e que, a partir de suas demandas, seja possível uma reflexão da
prática dos envolvidos, além de firmarmos breves instruções a ser utilizadas de
acordo com as especificidades avaliadas.
1. Deficiência Visual –
estratégias
ORIENTAÇÕES PARA PROFESSORES
● Envio de cronograma com
antecedência.
● Apresentação dos slides da aula
com contraste de cores, para uma melhor visualização.
● Certificar-se de que o texto da
aula esteja formatado em fonte ampliada.
● “Fornecer textos” na forma de
áudio.
● Apresentar áudios que propiciem
descrições, especialmente de imagens.
Exemplo de descrição de imagem
Fonte: Mais diferenças (ONG)
< Vídeos com descrição >
Exemplo: https://www.youtube.com/watch?v=yYZOJ-Rn9hU
● Os professores podem gravar
áudios de conceitos chaves, para disponibilizar aos alunos.
● Os docentes devem se certificar
de que os alunos com necessidade de atenção especial estejam localizados em um
lugar da sala em que ouçam com clareza.
Orientação para a monitoria
● Planejar, de acordo com a
demanda trazida, textos que possam dar suporte e facilitar o acesso à temática.
● Trabalhar com os textos de
forma mais objetiva, até mesmo se forem narrativas.
● Pedir para que as dúvidas
também sejam gravadas em formato de áudio, evitando-se assim o desgaste de
escrita excessiva.
Ressalte-se, por fim, a
importância de que, em toda e qualquer estratégia, deve haver participação
inclusive (efetiva, eficaz) dos requerentes de toda forma de atenção especial,
respeitando-se suas preferências para um bom resultado.
(*)Universidade Federal de São Carlos - Centro de Educação e Ciências Humanas. Coordenação do Curso de Pedagogia - São Carlos, 2019.
Referências:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS
TÉCNICAS (ABNT). NBR 9050: acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e
equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2015. 162 p. Disponível em: <http://
www.ufpb.br/cia/contents/manuais/abnt-nbr9050-edicao-2015.pdf>.Acesso em 28
de agosto de 2019.
BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Documento Orientador
Programa Incluir - Acessibilidade na educação Superior. Brasília:
MEC/SECADI/SESu, 2013a.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de
julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União, Brasília, DF,
Poder Legislativo, 7 jul. 2015, p. 2
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23
dez. 1996, p. 27833. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm>.
Acesso em: 20 set. 2019.
BRASIL. Referenciais de
Acessibilidade na Educação Superior e a Avaliação in loco do Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Superior. Brasília: MEC/SEESP, 2013b.
DAVIDOV, V.; SHUARE (ORG), M. La
psicología evolutiva y pedagógica en la URSS (antologia). Moscou: Progresso,
1987.
EMMEL, M. L. G.; GOMES, G.;
BAUAB, J. P. Universidade com acessibilidade: eliminando barreiras e promovendo
a inclusão em uma universidade pública brasileira. Rev. bras. ciênc. saúde;
14(1)2010.
MANZINI, E.J. Inclusão e
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MORGADO, S.A.L; Estudo Trajetórias acadêmicas de
pessoas com deficiência no ensino superior brasileiro, 2017. Tese (Doutorado em
educação especial) - Ciências Humanas PPGES, Universidade Federal de São Carlos,2017.